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Pra quem acredita que a lua-de-mel não acaba quando voltamos da viagem...

quarta-feira, 12 de abril de 2017

Maçã raspada

Desde pequena eu sou uma pessoa saudável. Nunca tive doenças graves, graças a Deus. Porém, se tem uma coisa que me pega são gripes e resfriados. Depois de muito tempo (muito mesmo), alguns médicos me diagnosticaram com bronquite asmática. Sempre que faço um exercício físico mais puxado, sinto como se não conseguisse respirar, mesmo me esforçando muito. E qualquer gripe/resfriado já desencadeia uma tosse absurda. Às vezes tenho até tontura de tanto que falta o ar.
Embora eu nunca utilizei a bombinha de asma, o inalador está sempre presente na minha casa, além dos medicamentos que ajudam a desinflamar os brônquios.




Ninguém gosta de ficar doente, óbvio. Eu tenho várias lembranças negativas sobre ficar doente: correr pro hospital, tomar medicação na veia, ter vários furos porque ninguém encontra minhas veias de primeira, ficar com marcas roxas das picadas de agulha, sair do médico e passar na farmácia pra comprar dezenas de medicamentos, meu pai me fazendo tomar chá de alho, acordar pra fazer gargarejo com água morna e sal...

Embora tudo isso sejam marcas dos cuidados que sempre recebi, não era legal ficar doente.

Mesmo assim eu tenho algumas lembranças muito positivas sobre as vezes em que fiquei doente: meu pai dormia no meu quarto para eu dormir com minha mãe; diversas vezes acordei com um dos dois me cobrindo melhor à noite; quando eu voltava a dormir na minha cama, meus pais sempre iam no meio da noite colocar um cobertor a mais em cima de mim... 

Além disso eu tenho uma lembrança muito marcante: a maçã raspada. Eu me lembro de uma época que minha mãe raspava a maçã e me dava na colher para eu comer. Certa vez, ainda criança, eu fiquei doente e minha garganta doía. Minha mãe raspou uma maçã e me deu pra comer na colher. Me lembro claramente de estarmos sentadas no sofá da casa antiga em que morávamos. Minha mãe me deu a maçã raspada e eu perguntei se aquilo não era para bebês. Ela disse que sim, que eu não era mais um bebê, mas que por estar doente ela ia me dar maçã raspada do mesmo jeito. Eu fiquei tão feliz com aquilo que toda vez que eu ficava doente, eu esperava uma maçã raspada.

Não sei exatamente porque aquilo me deixou feliz, mas talvez fosse minha forma de entender que minha mãe sempre cuidaria de mim como se fosse sua criança.

Quando eu estava noiva minha mãe teve diversas reações. Desde crises de choro até gargalhadas. Em determinado momento, quando o casamento estava próximo, ela foi conversar com o Fellipe e pediu a ele que cuidasse de mim quando o outono e o inverno chegassem, porque era nessa época que eu costumava ficar mais doente.

Na época achei aquele pedido muito engraçado. Eu já era adulta, me casei aos 23 anos. Eu sabia me cuidar, mas pra ela eu não tinha crescido ainda.

Nas últimas semanas eu tive um crise de bronquite. Mas foi pior que das outras vezes, pois estando grávida, não posso tomar nenhuma medicação que estou acostumada. Foi necessário fazer inalação muitas vezes ao dia para que eu conseguisse respirar. 
Até então, eu nunca precisei acordar o Fellipe durante a noite por estar doente, mas dessa vez foi diferente. 

As pessoas mais próximas sabem como o Fellipe é difícil para acordar. Quantas vezes eu já perdi a paciência na hora de acordá-lo. Chega a ser cômico como ele fica praticamente sonâmbulo quando está acordando. Ele diz e faz coisas que não se lembra. É algo que eu nunca tinha visto antes. 
Por ele ter essa dificuldade enorme de acordar, tive medo que, quando eu realmente precisasse no meio da noite, ele não acordasse.

Mas durante todos esses dias que eu estive doente, precisei chamá-lo para me ajudar a levantar e fazer inalação porque eu não estava conseguindo respirar. E não precisei chamar mais de uma vez. Foi só encostar nele e ele acordou. Parecia até milagre. Ele acordava de verdade, pegava o remédio da inalação, me ajeitava na cama, ligava o inalador e, ao terminar, ele retirava tudo e guardava. Quando amanhecia, ele fazia chá e me ajudava com o que fosse necessário. 

Como é gostoso ser cuidado por alguém! Minha mãe sempre me dizia que se fosse para eu me casar, eu deveria me casar com alguém que me tirasse de casa para me dar uma vida igual a que eu tinha, nunca pior. Quando ela falava isso, eu achava que era sobre dinheiro, mas eu descobri que não era sobre isso que ela falava. 

Meus pais só iam ficar em paz se eu saísse de casa para viver com alguém que estivesse disposto a colocar um cobertor a mais em mim durante a noite ou que preparasse chá de alho quando eu estivesse doente. Eles só iam ficar tranquilos se eles soubessem que a pessoa com quem eu ia viver iria acordar de noite na primeira vez que eu chamasse. Eles queriam para mim alguém que estivesse disposto até mesmo a me dar maçã raspada, se eu precisasse. 

Amor e cuidado estão tão ligados um ao outro que nem sempre conseguimos distinguir qual é cada um. Quem ama, cuida. 

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