Apresentação

Pra quem acredita que a lua-de-mel não acaba quando voltamos da viagem...

sexta-feira, 10 de março de 2017

Lavando a roupa suja

Ser professor não é lá a pior coisa do mundo. Quer dizer, pra quem é professor sem gostar de sê-lo, deve ser um problema e tanto. Esse não é o meu caso; gosto bastante da minha profissão. Como já ouvi dizer por aí, "tem gente que nasce professor".

Uma das vantagens que minha profissão acarreta é a possibilidade de dias de folga, dependendo do seu horário como professor aulista. Até ano passado, eu não usufruía dessa vantagem; já esse ano, em compensação... Tenho uma tarde mais um dia inteiro sem aulas. Claro, professor tem que trabalhar em casa, alguns dirão. Sim, é verdade, mas já que eu teria que trabalhar em casa de qualquer forma, melhor quando tenho um dia inteiro (e uma tarde) para isso.

Quando eu era adolescente, meus pais trabalhavam o dia inteiro fora de casa. Sendo assim, deixar a casa em ordem era responsabilidade do meu irmão e minha. Como sempre disse minha mãe, "Quem está em casa tem que deixar a casa em ordem pra quem vai chegar.". Essa frase sempre fez bastante sentido pra mim. Se você está em casa, está com tempo livre pra arrumar e limpar (e vamos combinar que todo mundo gosta de chegar em casa e ela estar limpa e arrumada).

O problema é que, apesar de eu acreditar na veracidade da frase, muitas vezes essa crença acabava em si mesma. Meu irmão e eu sabíamos que era nossa responsabilidade, sabíamos que precisava ser feito mas mesmo assim, preferíamos engajar nossos esforços em outras atividades. Foram inúmeras as vezes que minha mãe chegou em casa e, depois de alguns minutos de conversa séria, todos nós íamos arrumar o que precisava ser arrumado.

Depois que casei, venho tentado agir dessa mesma forma. Quem está em casa é que deve arrumar. Como tanto a Dona Moça quanto eu saímos cedo e voltamos tarde na maioria dos dias, parte dos meus períodos de folga são usados pro trabalho doméstico. Ou pelo menos deveriam... Se tem algo em que eu não mudei com o tempo foi o fato de detestar o trabalho doméstico. Tem coisas que eu detesto mais (como passar roupa) e tem coisas que eu detesto menos (como lavar louça), mas ainda assim, eu realmente não gosto. A única coisa que eu realmente gosto é cozinhar; o problema é a louça suja gerada no processo.



Com esse pequeno pano de fundo (minúsculo, só 5 parágrafos), vamos ao que eu realmente queria contar hoje. Num desses dias em que tenho a tarde de folga, quando acordamos, a Dona Moça citou que precisaríamos trocar a roupa de cama, e me pediu ajuda pra trocar logo de manhã. Eu disse pra ela que trocava quando chegasse em casa, afinal, eu chegava mais cedo em casa. Passou-se a manhã e eu voltei para casa. Cheguei no quarto, olhei pra cama e ela me olhou de volta, me chamando pra um cochilo. Claro que eu cedi.

Depois de um cochilo de umas boas horas, sou acordado com um telefonema da Dona Moça. Nem lembro o que foi dito no telefonema, mas levantei meio zonzo e, 10 minutos depois, ela chegou em casa. Quando ela chegou em casa, ela já sabia que eu dormi a tarde toda (é impossível disfarçar a voz de sono). Quando ela entrou no quarto e viu que eu não tinha trocado a roupa de cama, o rosto dela não ficou exatamente numa pose amigável. Azedou tudo, na hora.

Ela foi pra cozinha, fazer o jantar (nem isso eu tinha feito, já que tinha dormido a tarde toda). Passou a noite e, antes de dormirmos, nós conversamos e ela disse que estava chateada pelo fato de eu não ter feito nada pela casa durante a tarde toda. Especialmente por eu não ter trocado a roupa de cama, que eu falei que trocaria.

Acho que todo mundo aqui sabe como é decepcionar alguém que se ama, não é? Eu me senti muito mal naquele dia. Muito mal mesmo. Pedi desculpas, ela aceitou e tudo mais mas eu sabia que ela realmente tinha ficado triste. Tê-la deixado triste foi a pior consequência da minha preguiça.

Para evitar isso, no meu dia de folga seguinte eu fiz exatamente o contrário. Não preguicei nada. Acordei, troquei a roupa de cama, varri e passei pano, limpei o banheiro e fui lavar roupa suja. Eu até hoje não sei como que duas pessoas sujam tanta roupa! Acho que foram umas quatro maquinadas para dar conta de tudo. Pendurei tudo e ia fazer o jantar. Mesmo fazendo essas coisas, ainda tinha tempo pra ficar de boa e jogar uma ou duas (ou mais) partidas no Fifa.

No meio do processo de lavação de roupa suja, ouvi um choro de cachorro. Como nós temos alguns, fui dar uma checada pra ver se estava tudo bem com eles. Quando vi, era uma vira lata bem velhinha que estava chorando. A Dolly estava deitada na casinha dela, com os olhos vidrados e bem abertos, típicos de cães com dor. Dei um remédio pra ela e passei o dia me revezando entre limpar a casa e tentar fazer alguma coisa por ela, pra tentar aliviar a dor dela.

Todo mundo que já teve cachorro sabe o que é esse momento. Eles não vivem pra sempre, por mais que a gente quisesse. Passei boa parte da tarde sentado do lado de fora da casinha dela, tentando dar algum carinho e um pouco de água, que ela bebia avidamente da seringa. Avisei a Dona Moça, meio tentando disfarçar a gravidade da situação, esperando que ela voltasse pra casa antes que a Dolly partisse.

Quando a Dona Moça chegou em casa, foi difícil. Ela é muito apegada aos nossos bichinhos. Muito mesmo. Aliás, ela é apegada a todos os cães do mundo. Ela ficou do lado da Dolly e tentamos deixa-la o mais confortável possível. Dona Moça ficou bem chorosa aquela hora (quem não ficaria?). Tentei meu máximo para confortá-la, mas não há muito o que se fazer nessas horas.

Quando entramos em casa, aí eu fiquei mal mesmo. Sim, eu estava triste pela Dolly, mas era ainda pior ver a Dona Moça triste. Eu tinha passado o meu dia inteiro fazendo as tarefas domésticas com o intuito de deixa-la feliz, mas algo que estava além da minha capacidade de resolução tinha deixado ela triste. Essa sensação de impotência é um saco. A sensação que, em várias situações, não há o que fazer: A pessoa que eu amo vai ficar triste de vez em quando. Falei isso pra Dona Moça. Ela disse que eu não precisava me sentir assim, pois melhor que deixar a casa um brinco era eu ter ficado do lado da Dolly enquanto ela sofria. Era muito mais importante cuidar de um ser que era tão importante pra ela. Mais do que lavar roupa, varrer a casa ou cozinhar o jantar, cuidar da Dolly foi a maior demonstração de amor que eu fiz pra Dona Moça naquele dia.

No final das contas, eu (re)aprendi algo tremendamente importante, mas difícil de aceitar. A felicidade de quem se ama, em muitas situações, não depende do que façamos ou deixemos de fazer. Existem coisas (muitas coisas) que estão além do nosso alcance. Entretanto, sempre devemos nos esforçar ao máximo pela felicidade da pessoa amada. Afinal, casamento é pra vida toda, e toda a vida é um tempo muito grande para não ser feliz.

1 Amplexo!


Um comentário:

  1. Excelente texto! Maravilhoso o modo como vc compartilha o dia a dia a dois para quem vos lê.
    Tá de parabéns!!

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